terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Em preces, reconheço...

    Poderia eu escrever-lhes sobre um tema inédito em virtude da data que se avizinha. Desde já, deixo, às claras, que não procederei assim: porque o Ilustre Nazareno já povoa os meus pensamentos e textos durante todo o ano. Confesso, é verdade, que estou muito longe de compreendê-Lo. Suas palavras tão singelas entrechocam-se com a minha tímida evolução e num exame sincero de consciência, reconheço que ainda não sou digno de me considerar um dos Seus discípulos, pois ainda não tenho em mim o amor que possibilita renunciar ao ego em prol dos irmãos de caminhada. De maneira alguma, desejo uma aparência, cujos meus atos não mereçam. Do que me adianta, chamar-Lhe pelo nome, se não cumpro, obstinadamente, a Lei da Caridade ditada no épico Sermão da Montanha? Ensina-me, Inesquecível Mestre, a ser humilde e fraterno a ponto de me calar diante da palavra ferina e de “desejar ao próximo, apenas, aquilo que desejo para mim”. 

  Enquanto, nascem essas palavras, recordo-me da compaixão que o Senhor devotou aos que tinham os dedos da sociedade apontados para si. Feliz exemplo, e, maior não poderia haver, é o de Maria de Magdala - jovem faceira, conhecida pela fama de vida fácil – que a Sua alma angelical, despida dos gozos profanos – conseguiu arrebatar para tarefa redentora. Mais tarde, essa mesma mulher, profundamente tocada pelo grau de transcendência das parábolas contadas no cenário fascinante da Galiléia, serviu-Lhe de inspiração para advertir aos 12 apóstolos quanto à necessidade premente do amor, cuja encantadora moça já vibrava no momento em que Lhe enxugou os pés. 

  E quando materializou o Seu perispírito, para dar a prova irrefutável da imortalidade da alma e da transitoriedade do corpo físico, foi a quem que o Senhor escolheu como testemunha da revelação? Sacerdotes? Fiéis religiosos? Mercadores do sagrado? Não! Optou por Maria de Magdala e utilizou-se do poderoso ectoplasma que ela emanava no ápice das suas faculdades mediúnicas. É emblemático: o primeiro coração a ser acalmado, após o calvário da cruz, foi o de uma mulher que, nos dias de hoje, também seria julgada pelo dogmatismo dos templos, ornados pelas luzes midiáticas, mas esquecidos de “dar com a mão esquerda e esconder da direita”. 

  Divino Benfeitor, peço-Lhe, nesta hora em que as ceias estão postas à mesa, que a Sua doutrina, tão esquecida na essência e dilapidada pela ambição dos “profetas” que “ajuntam tesouros na terra”, mostra-me: outras Marias, iguais àquela, para que eu possa, realmente, conhecê-Lo.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Os dramas modernos e a cura bi-milenar

    Existe um vazio existencial no imo das criaturas que a medicina dos consultórios e hospitais não consegue curar. Imersa nesse problema insondável pela ótica materialista, a sociedade observa, letárgica, as lágrimas provocadas por atitudes malsãs, e os governos, ao passo que privam a população dos seus direitos mais humanos, criam planos econômicos para dar liquidez ao mercado financeiro, mas ignoram o luto que se propaga – criando vítimas e inconsoláveis - em virtude do ódio lavrado por facções clandestinas e partidárias, hábeis em contaminar as superestruturas de poder com o bacilo da ganância. 

   Numa relação libidinosa com o dinheiro, a pedagogia familiar, por sua vez, incute no veículo emocional das crianças a prática da competição voraz, que extrapola as brincadeiras pueris e denigre a oportunidade – oferecida pela infância, de abrir os olhos da alma recém-chegada às paragens terrenas, para a necessidade urgente do amor. Desiludidos com a humanidade, da qual fazem parte, os pais aceleram o “envelhecimento” dos pequenos, encurtando-lhes a meninice, em nome de uma esperteza; comumente, egoísta, insensível, invejosa e maledicente – cópia fiel dos adultos, abitolados nas paranóias que escolheram para lhes adoecer. É triste ver os jovens afeitos às “amizades” por interesses, a exemplo dos seus instrutores domésticos, e, tão cedo, donos de índoles explosivas, inquietas, rancorosas, violentas, débeis..., sempre indiferentes a dor humana.  

  Neste dias, estive numa área paupérrima da Baixada Fluminense e pude constatar, além da subnutrição infantil, dos olhos fundos, das barrigas inchadas e das costelas à mostra, o drama da depressão roendo os nervos dos adultos. Há um número considerável de pessoas vivendo escravizadas por tranqüilizantes, sem poderem abrir mão dos comprimidos alopáticos, prescritos nas filas dos hospitais públicos. O pobre, afastado por questões financeiras dos conceituados psicanalistas, descobre-se enfermiço através de crises angustiantes, somente, amainadas por fortes sedativos, que obscurecem a mente, afetam os órgãos físicos e impregnam de miasmas o perispírito.

   Alguns se rendem, definitivamente, a tirania das tarjas pretas, outros recorrem às drogas alucinógenas e ao veneno do álcool. Por conseguinte, o corpo, já debilitado pelos bombardeios químicos do sistema nervoso, é obrigado a enfrentar em sua frágil tessitura as investidas dos inimigos externos, que se apoderam da mente combalida. Quais são as causas desse quadro clínico responsável pela maior parte das moléstias modernas?

  Reflexivo, imaginei recorrer à psicologia hodierna, contudo, imediatamente, desisti. Lembrei-me da magnífica obra do espírito Ramatís. Então, percorri as páginas do “Sublime Peregrino”, livro que retrata, com profundeza de detalhes, o reinado messiânico de Jesus na terra. Segundo o nobre instrutor astral, o Evangelho do Cristo é a fonte inesgotável de benesses, cujas almas, em provas e expiações, devem haurir forças para cumprir a tarefa redentora da experiência carnal.

   Longe da maturidade psicológica, associamos a dor ao sofrimento e, por diversas vezes, entramos no perigoso solo do desespero, impregnados de energias tóxicas que impedem o fluxo dos delicados raios de luz. Porém, não devemos esquecer, jamais, o que Jesus nos disse: “Eu venci o mundo”. Venceu porque comprimiu o Seu espírito angelical para adaptá-lo à matéria, caminhou, humildemente, entre os filhos de Deus e pôs-se a ensiná-los o código primoroso, narrado nos textos apostólicos.

   Conforme, afirma Ramatís: Jesus é um anjo que, há 2 milênios, dobrou as asas resplandecentes do seu conhecimento sideral para trazer aos homens o caminho da libertação. Os povos daquela época, anterior ao advento do Cristianismo, tinham como base moral a Lei de Talião, cuja sentença famosa diz – “olho por olho, dente por dente”. Todavia, o Doce Rabi, em seu enlevado amor, condenou o caráter justiceiro, que banha a terra com sangue, e aconselhou ao humilde Mateus: “perdoai setenta vezes sete”. Quantas desavenças funestas e perturbadoras poderiam ser extintas se o homem praticasse a misericórdia?

   A última rodada do Campeonato Brasileiro reservou ao mundo cenas da mais pura barbárie, cometida por fanáticos que desconhecem os sentimentos de temperança, brandura, mansuetude e pacifismo. Por quê? Existe uma cultura que fala, prioritariamente, ao ego e exacerba as paixões mundanas, como se a vida estivesse por um triz. Poucas pessoas observam os lírios do campo e as aves do céu. Deixam-se saturar pelos densos fluídos da cobiça e desejam influir no destino alheio, sendo que nem a si mesmo, elas conseguem dominar.

  Ramatís, ilustre filósofo de Alexandria, foi perfeito quando disse que nenhuma lei exterior modificará o homem, apenas, o esforço íntimo para se auto-transformar pode sensibilizar o indivíduo vicioso. Psicólogo Celestial, Jesus comprovou tal realidade ao nos deixar, em lindas parábolas e predigas, o Evangelho, cujas palavras batem as portas do coração, pedem passagem para entrar e derramar o lenitivo, sem-igual, capaz de vencer as mais dilacerantes depressões. Enquanto, o credo religioso insiste numa “salvação” externa, vinda dos céus, que nos exige, tão-somente, o verniz da aparência, o nosso Irmão Maior repete a lei imutável do Universo: “a cada um será dado segundo as suas obras”.

   O Evangelho é uma luz do cosmo, que se espraiou sobre a terra, e nele há incomensurável amor, pois sem amor não há harmonia e sem harmonia nem mesmo as estrelas se poriam, organizadas, na abóboda celeste. Se nós, humanos, observarmos os sinais da natureza, buscaremos o compromisso intransferível da auto-redenção.  

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Uma visão sobre a homossexualidade

   O homossexualismo é uma questão profundamente humana sob os aspectos psicológicos e instintivos de seres espirituais, que se encontram na posição biológica de mamíferos sensíveis à procura do equilíbrio entre os pólos - masculino e feminino - da vida. A criatura, quando esculpida, em essência, pelo sopro vital, recebeu o ânimo que lhe mostrou a eternidade e o desafio de alcançar a cosmo-visão para voltar a ser Um com o Pai, como no princípio.  O homo sapiens que se revela homossexual ao mundo fere pontos de vista, todavia caminha, lado a lado, com as perfectivas leis da Natureza, que submetem o indivíduo ao constante ajuste de energias animalizadas no aparelho material.
   Alegam os teólogos analíticos que Deus criou o homem e a mulher para que ambos, tão-somente, pudessem multiplicar a espécie e, nessa base fechada, as relações entre pessoas do mesmo sexo seriam uma transgressão ao Plano Divino, pois flertam com a impossibilidade natural da fecundação. Faz-se mister, porém, salientar que a Humanidade, em termos quantitativos, cresce a passos acelerados e, hoje, o planeta Terra abriga mais de 8 bilhões de habitantes. À luz dos fatos, fica óbvio que os homossexuais, jamais, puseram em risco a ascensão da taxa de natalidade, e a renovação cíclica da vida terrestre acontece conforme as pretensões do Criador.
    Não existe na consciência uma voz que defina o sexo como uma atividade meramente reprodutiva, porque o reencontro para procriação entre os seres é uma necessidade incontrolável da raça. Estabelecida essa força arrebatadora, os homens sentem-se no direito de buscar a beleza e o mistério das afinidades, isentos de qualquer tipo de dívida ética.
   Em sua obra genial, o psicanalista Carl Gustav Jung utilizou-se de um olhar microscópio e de uma percepção espiritual para encontrar as imagens psíquicas que se movem perdidas no inconsciente coletivo, absolutamente enfermo. O que nos falta? Segundo Jung, o laço entre animus e anima – a conciliação do masculino com o feminino no espírito imortal. Pobres de nós que ainda vemos o sexo como a oposição de dois órgãos genitais... 
  Aos olhos dos que desejam ver, há uma coletividade doente que combate a compaixão. A verdadeira discussão religiosa deveria ser: como acender a chama interna do homo demens e fazê-lo preencher o vazio existencial provocado pelo ódio? Jesus nos falou de um Deus com características maternais, que ama, perdoa, acolhe e ensina. Bem diferente da concepção patriarcal, vingativa e sádica do Velho Testamento. No código da criação, constam os arquétipos masculino e feminino. Deus é Pai e Mãe ao mesmo tempo. Para que os homens façam valer as palavras do Cristo – “vós sóis deuses” – é preciso que a balança da psique mantenha, em equilíbrio, as virtudes de ambos os sexos – isto é, o reencontro interno e perfeito da dualidade, a união desconhecida, inclusive, pela maioria heterossexual que abandona seus filhos e protagoniza cenas de violência no lar.
     A sociedade cria, facilmente, o ridículo na vida alheia e represa a facticidade do seu estupor. Nos casos de homofobia, há sobre palanques sacerdotes que pregam a perseguição religiosa, enquanto, abaixo, no meio do povo, o Psicoterapeuta de todos os tempos, com enorme senso de justiça, continua perguntando: Por que vês tu, pois, o argueiro no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu olho?” 
   Os religiosos cristãos que se julgam peritos do espírito de Deus esquecem algo fundamental: o cristianismo é a doutrina do amor inaugurada em todas as letras dos Dez Mandamentos e consagrada nas parábolas do Sublime Jesus. Nenhuma interpretação empírica das Escrituras deu ao seu agente a condição de visitar os recônditos da alma humana para de lá extrair a causa de determinadas paixões, porque o contato com a Sabedoria Cósmica é experiência transcendental, intuitiva, mística. O apóstolo João, em sua primeira epístola, deu mostras de que havia alcançado à Realidade e se desvencilhado do ego-intelectual: Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?
  Nisto o evangelista é admirável: demonstra que a Divindade imprimiu em cada ser a Sua Luz e Nela se faz presente em todos os filhos adorados. Nunca esteve tão certa a saudação budista: “Eu saúdo o Deus que existe dentro de você”. O Pai permanece único, mas a exemplo do sol vibra em infinitas direções. O triunfo da fraternidade ocorrerá quando todos os homens enxergarem a Imago Dei[1] em seus semelhantes.




[1] Imagem de Deus, em latim

sábado, 23 de novembro de 2013

Bendita liberdade

Quando num exercício de reforma íntima,
arejei a atmosfera dos pensamentos que me habitam,
vi o meu coração ser banhado pelas luzes do amor ao próximo,
e a flor da minha alma receber o pólen da vida,
trazido pelo beija-flor que bate asas em Teu paraíso.
Dentro de mim, surgiu outro pássaro da mesma espécie que o Teu,
pairando sobre a minha cabeça.
Liberto da gaiola do desamor,
pedi ao pequeno mensageiro:
"que levasse a Ti preces de louvor e agradecimento".
Dos meus olhos, medraram lágrimas de pureza, quase infantis.
Senti-me completamente outro.
Foram momentos em que o foco de Teus raios direcionou-se
como um farol sobre a minha aura, 
tornando-a um ponto de Tuas vestes luminosas.
Vi, então, anjos tecerem com feixes de paz o vazio dos meus sentimentos,
e graças a Ti, Senhor,
descobri que existe no âmago das criaturas um caminho para encontrar-Te. 

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Poema da solidariedade

Existe algo que é inadmissível nesta numerosa comunidade planetária: a solidão.
Por que tanta gente sofre só em meio à caravana que passa?
No que se sintonizam as almas incapazes de ouvirem os choros?
Onde se aprendeu a praticar tamanha indiferença?
Por acaso não é a Terra um abrigo de religiões?
E todas essas uma casa de doutrinas?
E as doutrinas não falam de amor?
E o amor não se mostrou perfeito?
Então, por que deixá-lo de lado?
Quem pode viver sozinho
E dizer: eu não preciso de ninguém?
Que homem passará por este orbe sem dores?
Quem não morrerá ou não verá morrer?
A compaixão, nesta hora, é o remédio dos futuros desesperados,
Aqueles que renegam a penúria por se acreditarem na plenitude eterna.
Por isso, hei de dizer: – Não nos iludamos!
A fome da Humanidade é de pão de trigo e também, espiritual.
Estamos doentes numa Era de profundo egoísmo,
Em que se comemora a derrota alheia.
Não, não, tantas vezes não!
Sejamos transgressores,
Reneguemos essa falsa realidade.
O ser humano tem as dimensões do infinito.
Há dois milênios, Certo Alguém disse:
“Vós sóis a luz do mundo”.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Os encantos de Oxum

                                                                     Montagem: Ricardo Walter
Independentemente da nação, essa é uma homenagem a força universal do Orixá Oxum
A dança era envolvente nas águas milagrosas,
e um banho de ternura despertou os encantos da magia;
caprichosa, sob o brilho do sol,
em profunda harmonia,
reinava Oxum.
No ritmo dos atabaques celestiais,
Ela cantava abençoando aquelas que pediam o dom de carregar a semente da vida.
– Fertilidade, minha Mãe!, rogavam as mulheres.
– Lance a tua luz sobre todos os ventres,
o mundo precisa do amor materno.

domingo, 17 de novembro de 2013

Inspiração

    Sozinho, entre as paredes do lar, vejo na atmosfera a mais profunda tranqüilidade, que um escritor poderia se servir para criar. O ambiente, vazio de ruídos, me conduz à escrivaninha do quarto e põe em minhas mãos papel e lápis. A ponta do grafite toca, insistentemente, à folha, no entanto, nenhuma letra ganha feitio. O mundo externo é por um instante belo, e eu faço força para compreendê-lo em suas sutilezas, sem o êxito desejado. Se o clima do lado de fora é o ideal, o mesmo não posso dizer das condições internas – imersas num agitado turbilhão. Dada a circunstância, nada posso imaginar que valha a pena. Prudentemente, desisto; ou melhor, adio a necessidade, cujo grito ressoa dentro de mim.
    Saio de casa, entro no carro e aceito o convite para conhecer a alegria popular nos seios da natureza. Amigos leitores, a cachoeira que visitei estava linda na fotografia feita pelos meus olhos. Pedras imponentes, vegetação riquíssima em volta, água fresca e muita gente. Quase não havia espaço: que exagero de minha parte! Mas, permitam-me a empolgação. Gosto desses lugares sadios, de paz e fulgor, onde as pessoas se encontram de graça, dividem território pacificamente, desnudam seus corpos sem frescuras e reabilitam corpo e alma.
   Deveria eu repetir outras vezes tamanha experiência. Não há terapia melhor. Basta tirar do coração o preconceito para assistir espetáculos de cores, formas, dialetos e risos. Um encontro da raça, brasileiríssima. Pessoas que fazem churrasco em tijolos, escutam música nas alturas, dançam, contam piadas; em suma, arrumam jeito de transformar a vida nos sábados de sol. E quem disse que é preciso muito dinheiro? Negativo, a festa se faz para os que têm pouco. Uma diversão de pés descalços e roupas sem grife.
    As pessoas mais “seletivas”, talvez, não gostem do clima: porque tem cheiro de povo, coisa que para os gostos “refinados” pode parecer grotesca. E daí, pergunto eu? O que representa tal julgamento? Nada vezes nada. Não sabem elas o que estão perdendo. A natureza é um assombro de perfeição e apresenta a terapia especial, que jamais será encontrada em qualquer consultório médico. Há na cachoeira uma energia mantenedora, alegre, benfazeja... O mineral cristalino lava as impurezas das vestes, as matas sintonizam, em tons de harmonia, a inquietação dos olhos, os ventos passam, desanuviando a mente, e eu penso: “Meu Deus, quantos tesouros no Teu reino”.
   Chego em casa e depois de um tempo... Eis o milagre pessoal: o papel não está mais em branco – é extraordinário o mistério da inspiração, fonte infinita de mercês que ilumina o ser humano, modifica o panorama dos sentimentos e nos faz mergulhar no cosmo através de um olhar apaixonado pela vida e por Quem a criou. O poeta-escritor reviveu quando se fez luz na sua intimidade. Obrigado, Natureza!

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A busca humana pela real consciência

O exemplo de Gandhi
    Quando um homem, transtornado, aproximou-se do leito, onde Mahatma Gandhi fazia greve de fome, implorou pelo fim do jejum, sem imaginar a preciosidade que levaria consigo. Naquele exato momento, religiosos se destruíam numa guerra civil. A dor abalava a todos, e o discernimento cego pelo ódio era pura ilusão. A trégua, somente, ganhou ares de verdade graças ao amor que os rivais ainda conservavam pelo mártir. Aquela voz de silêncio ecoava para lembrá-los a superioridade da vida sobre a morte. No triste cenário, o hindu suplicante confessou que havia matado uma criança. Gandhi lhe perguntou por que e ouviu “vingança” – ato contínuo ao assassinato do filho.  Em desespero, o pai foi aconselhado a adotar um órfão muçulmano – em virtude dos duelos, e a criá-lo como tal. Nesta simples sugestão, sem dogmas autoritários, a criatura desesperada recebeu o consolo que muitos não encontram, e, pela primeira vez, teve contato com a lei do perdão. De que lugar, a não ser o coração de Gandhi, poderia nascer uma idéia tão humana em meio à barbárie?
    A personalidade do ser é indivisível. Por mais que ensine o bem e saiba praticá-lo, os grandes líderes não podem comandar a mente de outras pessoas, mesmo quando se trata de uma estratégia de paz. Uma das piores formas de prostituição está na entrega vil da própria consciência. A palavra dogmática e invasiva entorpece. Gandhi não usaria tal artifício por reconhecê-lo como arma débil e tirânica. A multidão que caminhou, junto a ele, até o mar para produzir sal, agiu por livre escolha. Não havia armas sobre a cabeça de ninguém. Gandhi tinha o corpo franzino e nunca aventou fazer uma revolução paramilitar. As suas conquistas passavam longe da imposição física e bélica. Infelizmente, muitos indianos ainda se encontravam em senzalas ideológicas e não foram capazes de vencer, em definitivo, o fundamentalismo religioso – um nódulo que adoeceu o país e se mostrou um inimigo maior do que o Exército Britânico. Não à toa, Gandhi rogou pela fraternidade, mas o instinto primitivo não permitiu o entendimento realístico das leis de causa e efeito, que regem a vida social. Se os donos da terra matam uns aos outros, é impossível construir uma sociedade igualitária. Por isso, o ultimato pelo triunfo universal da não-violência é cruel demais. Cada geração tem algo a doar. Gandhi, jamais, faria tudo sozinho. Negar-lhe a onipotência, não nos impede de reconhecer que ele conseguiu cobrir a Índia com um manto de paz.
   A terra foi preparada. Os indianos tiveram, entre eles, um exemplo vivo do caminho a seguir; se o ignoram, a culpa não é de quem ensinou. Após a Inglaterra declarar a independência da Índia, Gandhi pediu a união entre hindus e muçulmanos, porque já vislumbrava o caos à espreita. O povo que se unira para vencer o despotismo externo ainda não estava preparado para resolver os seus problemas domésticos. A disputa pelo comando de voz levaria ao derreamento de muito sangue. Ambas as facções almejavam o controle absoluto para tudo poder, e nada respeitar. O sectarismo religioso era a assinatura do retardo sociopolítico – a ferida exposta que explica o motivo de haver fome, miséria, exploração, racismo e xenofobia, até hoje, numa nação de 1,2 bilhões de habitantes que carrega, nas entranhas, a força máxima da não-violência.
   Diferentemente, de homens que defenderam a luta armada, Gandhi manteve-se o tempo inteiro ao lado do povo. Quando os ingleses perceberam a força surpreendente e pacífica que tomava conta da consciência coletiva, propuseram uma mesa de negociações para minar a nascente da revolução. Falharam. As Libras Esterlinas não reluziram nos olhos de Gandhi. Sabia ele: que era a esperança única de uma gente sofrida. Na arena diplomática, o corpo coberto de panos brancos, produzidos artesanalmente, agigantou-se diante das fardas oficiais; de um lado havia uma energia humanitária e do outro, genocidas. Nas tentativas de diálogo, a antítese inglesa desmoronava devido a sua fragilidade moral. Quantos líderes populares foram vencidos pelo próprio ego e passaram a cultuar tudo aquilo que sempre desprezaram? Gandhi, porém, ao atingir o ápice de sua trajetória política, foi até o Paquistão para dizer a hindus e muçulmanos que, segundo as leis naturais, não havia diferença entre eles; o fundo falso da religião escondia o demônio real: o fanatismo. Nos seios do povo e sem escolta, recebeu o tiro de um radical. À beira da morte, sintetizou a verdade intensa do seu legado – pediu aos indianos que perdoassem o homicida que lhe atingira.

O encaixe perfeito de um provérbio: “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”, eis a demagogia dos pseudos-socialistas.
   Em nenhum capítulo da história, a violência produziu uma sociedade justa, na qual o proletariado não tivesse arrancado de si a dignidade. Nos anos 70, a China, liderada por Deng Xiaoping, intensificou o vermelho da bandeira comunista com o sangue do seu próprio povo.  Neste século, a miséria iguala a base da pirâmide social e sustenta uma elite nababesca. O disfarce político ainda mantém, via discurso, a idéia de dogmas socialistas, que não se confirmam na prática. Há anos, a classe operária sofre com jornadas desumanas de trabalho dentro de uma economia de mercado. Os produtos chineses estão espalhados pelo globo, a preços baixíssimos, sobretudo pela exploração do serviço infantil. Senhora dessa prática, a China se capitaliza e financia a dívida pública dos Estados Unidos por ser a maior detentora dos títulos do Tesouro americano. Quando estudantes foram a Praça da Paz Celestial, em protesto, o Partido Popular, de braços dados ao neoliberalismo, ordenou a execução sumária daquele grupo indefeso, sem direito a falar e a ser visto.
   A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas o que fez no embate da Guerra Fria? Oprimiu, matou e jogou no lixo a oportunidade de levar paz às suas colônias. Enquanto, a humanidade ainda sofria os efeitos do horror nazista, soviéticos e americanos pisavam, juntos, na dor alheia e protagonizavam uma corrida cosmonáutica e nuclear. O projeto não poderia ser melhor: o mundo que sofrera com as câmeras de gás e as armas da Segunda Guerra, realmente, precisava conhecer o espaço e desenvolver a bomba atômica. As superpotências foram cirúrgicas em suas análises. Ampliar a violência física, psicológica e financeira era a terapia essencial para as famílias destroçadas pelo medo.
   Naquele período, Fidel Castro tomou a Ilha de Cuba para assumir o governo central, após derrubar o facínora e ditador, Fulgêncio Batista. Passadas seis décadas, o lendário comunista transformou-se num assassino. A resistência política aos Estados Unidos é válida; país nenhum tem o direito de humilhar o outro; a covardia torna-se ainda mais gritante em face do abismo que separa as duas nações. Se Cuba é, territorialmente, pequena, o governo americano, humanamente, demonstra ser bem menor. O embargo econômico ilustra essa pequenez. Contudo, nada justifica a violência atroz praticada contra o povo cubano, inocentes e verdadeiros heróis da revolução. Ao passo que o comando desfruta as benesses do poder e vive encastelado numa fortaleza, a baixa renda sofre com racionamento de comida. Se o objetivo era promover a divisão de bens, por que Fidel e seus asseclas se excluíram desta lógica? Onde foi parar o senso de justiça? Como explicar aos jovens que seus pais, irmãos e avós foram dizimados no holocausto - promovido pelo regime?
   Pôr fim ao sistema de dominação é impossível através da violência. Todas as doutrinas impostas encontram resistência na mente humana. Seria maravilhoso se o marxismo, em alguma parte, tivesse alcançado a plenitude do bem-estar. Não conseguiu, porque o grau de adiantamento da coletividade pertence ao seu patrimônio moral e intelectual. O conhecimento é aperfeiçoado gradativamente, cumpre etapas e não dá saltos no interior do indivíduo. Se existem personalidades desumanas, egóicas e megalomaníacas, pronto, está criado o maior empecilho para fraternidade. Rússia, China, Coréia do Norte e Cuba sucumbiram perante a tarefa socialista, pois jamais quiseram praticá-la. Os homens que chegaram ao topo revelaram-se verdadeiros ególatras, despreocupados com as chagas sociais. Da boca para fora, a retórica parecia perfeita, mas decididamente, não foi assimilada. Por motivações óbvias, o líder político carrega, a tiracolo, toda a matéria do seu psiquismo. Quem obtém vitórias matando, não abandona a estratégia. O ódio, a vingança e a cólera são muito mais do que uma roupagem. Pertencem ao organismo do ser pensante.  Mao Tse-Tung, Stalin, Lênin, Fidel Castro, Kim Jong Un fracassaram sob o crivo popular por contrariarem a força incontrolável do universo – a natureza. Homicidas, todos eles sujaram suas mãos. Em devaneios, imaginaram que bastava trucidar os dissidentes, e logo, todas as vozes se calariam. Ignoraram que a renovação da sociedade é fundamental; a vida sempre triunfa, e, em dada página da história, o povo se cansa das sangrentas dinastias. Novas gerações surgem, com sede de justiça, para provar que os grandes aliados da face sádica do capitalismo são os falsos revolucionários que desejam mudar a vida, pondo-lhe termo.
   O discurso racional dos governantes esbarra, quase sempre, na passagem da teoria para prática. Quando as promessas desmoronam, é o povo quem suporta a fome, o desemprego e a brutalidade das forças de segurança. O cenário não muda em função do modelo econômico presente na carta magna do país. A privilegiada casta de políticos não desce nenhum degrau para se aproximar dos flagelados. Mantendo uma distância asséptica, comunistas e neoliberais tornam impetráveis, através da mídia, os segredos do aparelho estatal, com a diferença que, no primeiro, há flagrante monopólio, e no segundo, cristalino cartel. Assim, mentiras são repetidas até ganharem aspecto de verdade. Em ambas as diretrizes filosóficas, os meios de comunicação atendem a interesses particulares.

A disseminação do medo pela mídia
   Aos detratores do pacifismo, cujos argumentos dão conta de que a paz só interessa à burguesia por atirar o proletariado em sono letárgico, eis a réplica: o signo mais utilizado pela imprensa é a violência. Desde o princípio, a usina midiática escolheu o sensacionalismo como guia-mestre da linha editorial, dos tablóides populares, na Inglaterra. No século XIX, quando o êxodo rural e as fábricas promoveram o choque entre ex-camponeses e máquinas, o resultado da incipiente relação foi o de mortes coletivas e mutilações. Os jornais aproveitaram-se dessa catarse para estampar, em suas capas, manchetes aterrorizantes que espalharam pânico pelas renovadas metrópoles. Na Era Moderna, o cenário ganhou requintes tecnológicos devido às recentes plataformas de notícia – tabletes, celulares, andróides e smartphones. Modificou-se a forma, entretanto, a essência permanece idêntica: as catástrofes urbanas ainda são prioridades. Todos os dias, a dor alheia torna-se capítulo de novela em busca de audiência; e os direitos humanos viram enfeites desprezíveis sob a ótica do entretenimento e da atividade jornalística.
   A grande imprensa jamais defendeu a não-violência haja vista que ela mesma sempre foi incapaz de praticar algo similar. As chacinas, o tráfico e a corrupção ainda fazem parte do atual estágio da Humanidade; e de maneira alguma, devem ser escamoteados, porém é inconcebível o que se faz: a abjeta exploração, amiga íntima do “politicamente correto”, que preenche os lábios sem deitar raízes na alma. As reportagens investigativas perderam o caráter público, a linguagem adotada, hoje, dissemina o pessimismo e o foco das câmeras, à imagem de um “mundo perdido”.  Quando Gandhi pediu aos indianos que lutassem por seus direitos, sabia, exatamente, que os britânicos desejavam protestos truculentos para revidarem num tom acima, na medida exata de seu arsenal bélico. E a explicação óbvia para comunidade internacional seria: o chavão da “autodefesa”. Com a desobediência pacífica, 100 mil militares não puderam calar 350 milhões de civis. Em ambiente doméstico, o Brasil deveria se servir desse exemplo.  Enquanto, os telespectadores ouvem “vandalismo” o medo encobre a informação ideológica. A um ano das eleições, se o sentido real da não-violência tomar as ruas, o País pára, e os políticos sentirão o peso de uma não-eleição, algo com data marcada, uma lua de mel na qual a esposa desaparece ao descobrir que o marido irá lhe enganar eternamente. Seria a manifestação mais silenciosa da História. A polícia, sem alvos, não poderia invadir casas para levar os eleitores às urnas, e o Congresso Nacional, automaticamente, teria que votar as reformas sociais.

Em resumo: o homem permanece inconsciente
   O racionalismo científico, sozinho, não conseguiu explicar a mente humana. O conceito dos iluministas europeus precisou de novas descobertas para receber a complementação necessária. Entendeu-se que o homem integral deveria ser analisado à luz de sua complexidade, pois uma vez que se excluísse um fator, o diagnóstico ficaria inacabado. Não à toa, foram fundamentais as pesquisas de Sigmund Freud no âmbito da Psicanálise. O gênio percebeu que era impossível enclausurar a potencialidade humana dentro do pragmatismo tecnicista. Na Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung atingiu conclusões da mesma natureza. A sabedoria de ambos desbravou o terreno das emoções humanas e deixou uma mensagem profética quanto aos males físicos, oriundos da psique. Com base nos luminares estudos, pensamentos e emoções passaram a ter igual valor para saúde do indivíduo. E nada, nos tempos atuais, desequilibra mais essa balança do que a violência, em seus traços sutis e brutais.
    O homem não é estranho a si mesmo, apenas, na política. A falta de inteligência emocional também invadiu os lares. Muitas famílias são destroçadas por vícios, agressões contra mulheres, estupros e suicídios. Uma sociedade enferma jamais encontrará a cura na violência. Nenhuma guerra ensinou a Humanidade como vencer suas mazelas morais, porque todos os combates representaram o ápice da cobiça, do ódio, da intolerância, da vaidade, do orgulho ferido e de tantos outros anabolizantes do ego.  Cada continente viveu os seus duelos e traz no corpo social os reflexos da agonia; por que repetir a narrativa sangrenta?
    Quando a violência foi capaz de consolar órfãos, paralíticos, cegos, surdos, depressivos, desesperados, suicidas, mães que perderam seus filhos...? O epicentro da questão paira sobre as doutrinas que convencem os radicais a olharem o macrocosmo para esquecerem o microcosmo. As pessoas dizem lutar por ideais, almejam a revolução do sistema, mas abandonam a documentação humana de alegria e dor. Se a aceitação da irmandade entre os povos é uma utopia, o que dirá, então, a conquista da paz precedida pelas guerras?
As crianças nascem no planeta onde existe a fórmula para destruir o agente de todas as coisas: a vida. E essas criaturas inocentes ainda experimentam as agruras da inanição, que contribuem para o infanticídio. Os governantes - que deveriam se dedicar à infância -, enxergam o triunfo na capacidade de destruir. Habitantes de uma natureza, absolutamente generosa, os homens, no período da Guerra Fria, identificaram nas minúsculas partículas atômicas uma rota para caos, e não foram “capazes”, até hoje, de retirar do solo a panacéia, que porá fim ao triste espetáculo da fome. Nessa atmosfera armamentista e desumana, o poder instituído, independentemente do modelo político, aprendeu a massacrar as vozes dissonantes. Todavia, há algo notório a ser aproveitado: quando não houver mais gente para dirigir as máquinas, guardar dinheiro nos bancos, ocupar os prédios, comprar nos shoppings, brincar nos parques, cultivar a terra..., do que valerá a violência? Como bem disse Gandhi, “não há caminhos para paz, a paz é o caminho”.
   Obviamente, o capitalismo espalhou feridas por toda a sociedade. Aceitá-lo feito uma ordem irreversível, seria assinar um atestado de complacência e admitir a sórdida distribuição de riquezas que, antes mesmo dos tempos bíblicos, já produzia magnatas indiferentes à miséria da maioria. A corrida pelo lucro, sem qualquer preocupação moral, balizou as atividades mercantis das monarquias européias, em diferentes épocas, e regularizou, sob o crivo do etnocentrismo, a prática inumana da escravidão. Se a evolução existe, e logo, é comprovada pelo aperfeiçoamento da inteligência humana nos campos científico, filosófico e artístico, era de se esperar que surgisse um manifesto como o tecido por Karl Marx e Friedrich Engels. A aflição, por maior que seja o esforço para escondê-la, uma hora vem à tona, porque há um magnetismo entre a multidão. O verbo marxista materializou um anseio popular e conferiu aos operários uma tábua que os organizasse. Da mesma forma que o capital poderia invadir a linha da pobreza e extirpá-la, a luta de classes deveria produzir efeitos benéficos nos países em que se instalou. Porém, o bom ou mau emprego dos instrumentos está condicionado à sabedoria de quem os manuseia. Por escolha dos homens, o dinheiro ainda motiva guerras, especulações imobiliárias, esquemas bancários, facções criminosas e o abismo entre o topo e a base da pirâmide social; enquanto, o levante das massas se tornou uma alegoria perdida na sua própria hipocrisia.
    A vitória real do socialismo virá no dia em que a igualdade de direitos e oportunidades for praticada, individualmente, também por aqueles que a defendem; ou seja, quando os líderes, em destaque, submeterem-se às mesmas leis que os demais, sem regalias. O pobre sente falta do hospital público, do qual o rico não faz questão alguma. O motivo? As pessoas só gritam em defesa de seus interesses. E esse fato se reproduz, normalmente, nas repúblicas ditatoriais e nas pretensas democracias. O guia içado ao poder esquece o compromisso de renúncia firmado perante as massas, e, de uma única vez, transforma-se em mártir político, estadista emérito, prócer da diplomacia, brilhante orador..., e mesmo que não consiga dominar 1% dessas qualidades, somente as críticas o incomodam, pois o exame de consciência foi, devidamente, substituído pelo culto à própria imagem.
    O fato de o capitalismo ser a matriz econômica do mundo é reflexo da realidade psíquica que a sociedade vibra. Não foi o capital que fez o homem, pelo contrário: foi o homem quem fez o capital.  Se o consumismo dá a alguns o supérfluo e retira de muitos o primordial, não é a mudança de sistema, por vias intempestivas, que resolverá essa questão. Como em nenhuma outra época, a brutalidade tem sido uma força que o ser aplica contra si mesmo. Se não bastasse a destruição dos sítios naturais, o homem bombardeia o seu corpo e descobre novas doenças, como a síndrome do pânico, a bipolaridade, os transtornos obsessivos..., patologias que chegam cada vez mais cedo, atingem até as crianças e pioram, sensivelmente, a qualidade de vida.
   Que tipo de violência pode resolver essa crise numa época de armas químicas e teleguiadas? Seria prudente que o povo abandonasse os salvadores da pátria que vendem facilidades, o fundamentalismo de qualquer ordem e procurasse os andarilhos notáveis e anônimos que entenderam a necessidade de se doar ao próximo. Pensa-se muito em coerção, combate a impunidade, assinatura de protocolos, normas rígidas e renega-se a fonte natural dos problemas: as relações pessoais, das quais ninguém pode escapar. A causa dessa deterioração não é misteriosa ou o imprevisto de um Big Bang. As ideologias monolíticas estão em processo de falência; fracassaram ao tentar desmembrar o homo sapiens, arrancando-lhe o amor e a caridade para jogá-lo no poço do materialismo político e, pasmem, religioso, como se a compaixão fosse uma fantasia. Nessa perspectiva, renova-se o sistema, mas os homens permanecem os mesmos... Então, nada mudará. 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O Ser Divino

     Nos painéis do tempo, um grande pensador argumentou que “se os olhos não fossem solares, eles não poderiam ver o sol”. A metáfora, delicadamente, transcorreu-se, e a mesma sabedoria pôde, então, tocar, com inigualável primor, o ponto desejado: “Se o homem não fosse divino, ele não poderia ver a Deus”. Apreende-se dessa mensagem profunda o que Jesus, em Suas formidáveis parábolas, já adiantara à Humanidade: “Eu estou no Pai, e o Pai, em mim”. Como em tudo que o Amável Messias ensinou, havia, ali, uma verdade oculta; e, somente, os apóstolos, no mais profundo êxtase mediúnico, puderam entendê-la. A criatura terrena, ludibriada pelas densas sombras do orgulho, caminha na esteira da infância espiritual e não consegue compreender que além das enfermidades psicofísicas, brilha uma luz beatifica e imaculada no espírito santo, que todos nós estamos destinados a ser um dia, graças a Lei Universal de Reencarnação. 
    Qual cristão não se recordará da célebre frase de Tomé, que ao tomar conhecimento sobre a ressurreição de Jesus, disse “que só acreditaria vendo”? Foi quando o Mestre ficou à frente dos olhos incrédulos; e surpreso, o discípulo prostrou-se de joelhos e reconheceu-Lhe: “meu Senhor!”. Por instantes, Tomé vibrou no plano da dúvida; porém, teve Jesus, Redivivo – para, enfim, reerguer a sua fé. E na estrada dos séculos, está consagrado como um dos 12 apóstolos que, pela humildade e sabedoria, recebeu os ensinamentos secretos do Divino Benfeitor.
   Nesta era de tanta modernidade, as criaturas, de Princípio Inteligente absolutamente divino, crêem desconfiadas, visitam as encruzilhadas da vida, sem saber para onde caminhar, e se esquecem que a felicidade reside no centro do ser, que tal qual um foco de luz ardente, aquece as áreas mais frias do coração. Quando o homem olhar para dentro de si – em preces e meditações – verá o quão majestosa é a obra do Altíssimo e que as maiores belezas não estão – somente, no mundo exterior –, dentro das almas há paraísos inenarráveis para a linguagem terrena; um mundo de sentimentos e idéias nobres à espera da libertação. Lembremo-nos da Lei de Amor, ditada pelo Amigo Celestial: “amai-vos uns aos outros como a ti mesmo”. Numa aparente simplicidade, o homem recebeu a poesia que carrega o néctar da caridade e, nas paragens contemporâneas, pode, perfeitamente, tatear o ponto delicado da frase, cujo término diz: “como a ti mesmo”. Feliz aquele que se ama, porque tem dentro de si algo muito especial a doar. E desse amor-próprio nascerão descobertas fantásticas, atualmente, vistas como insondáveis pela criatura adormecida que, no tempo certo, atingirá a plenitude da fé inabalável e do amor incondicional. 

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Uma voz ecoou no terreiro

Devidamente vestido, o sacerdote manteve a presença física diante da enorme corrente e recolheu-se, em espírito, para rogar proteção, sem que ninguém percebesse. Na contagem mental dos pulsos, o equilíbrio das emoções foi lhe tomando ao poucos, enquanto uma luz, quase imperceptível, banhava o chacra coronário que se abria como no desabrochar de uma rosa branca. A voz límpida ecoou e exibiu toda a temperança do orador:
– Meus queridos irmãos, muito me alegra a presença de vocês nesta comunidade, que se reúne para levar paz àqueles que estão em guerra com o mundo ou consigo mesmo. Devemos receber de braços abertos todas as almas que aqui chegam, porque não somos, de maneira alguma, auto-suficientes. É uma lição de humildade ver os consulentes que, mesmo fragilizados, fortalecem a nossa egrégora com a vibração de seus anjos de guarda e dos mais nobres mentores. Aruanda é solidária às nossas misérias. Deixemos de lado o vulto das aparências para que sejamos aparelhos dignos de acolher o verbo consolador, ditado pelas falanges do Cristo - uma fonte inesgotável de energia, da qual podemos haurir o ânimo que nos falta em auxílio ao sofrimento alheio. Não importa o tamanho da corrente desde que se haja amor. Esqueçamos as diferenças, é chegado o tempo de caminharmos juntos. O amor nos liga aos espíritos missionários e hiper-sensibiliza as percepções mediúnicas com o desígnio de torná-las mais intensas, no trabalho desprendido de interesses materiais. No exercício sincero de um médium devotado, os resquícios de intolerância se diluem na prática redentora da caridade. Assim, as mãos impostas sobre as chagas fazem brotar o fluído curador de um guia que passa. E não há retribuição maior para uma casa espiritual que tem as suas portas abertas.
Comovidos, os filhos fizeram menção de exaltar o interlocutor. Imediatamente, foram persuadidos por outra idéia: – Não precisam me aplaudir. Sou, tão-somente, um canal que reproduz as vozes que não têm mais a matéria para se fazerem ouvir. Se algum dia, pelas minhas falhas, eu vier a sucumbir, certamente, não serei o veículo escolhido para transmitir mensagens dignas de atenção. Discípulo imperfeito que reconheço ser, jamais, poderia me considerar um privilegiado acima de todos vocês. Jesus, o Mestre dos mestres, disse aos seus apóstolos: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho vos chamado amigos, porque tudo o quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer”.
Apontando para imagem de Oxalá, o sacerdote continuou: “Se Ele que tanto deu a Humanidade agiu assim, quem sou eu para fazer diferente? Na vida profana, os homens pisam uns nos outros e desejam se elevar através das riquezas mundanas. Porém, neste espaço, nenhuma moeda vale mais do que o amor. Caso qualquer pessoa, aqui presente, suba um degrau e, do alto, veja o irmão em apuros, ela mesma deve lhe estender as mãos. Sem compaixão entre os medianeiros, a troca positiva de energia se quebra em determinados elos e o ambiente torna-se propício para o ataque de obscuras forças psíquicas”.
Quando o médium saiu do estado de inspiração, percebeu o profundo silêncio que se instalara, no local, para uma prece de agradecimento e perdão a Deus. 

domingo, 3 de novembro de 2013

Umbanda: uma religião, acima de tudo, mediúnica

Lutando contra a miséria de minha alma, abastada de melancolia, procurei um  recanto, onde, sossegado, pudesse orar. Faltava-me paz durante o dia, e sono, à noite. O corpo era pura inquietação, em cada parte parecia haver uma cicatriz. Falava sozinho, escutava vozes e tudo me assustava. As certezas de antes se diluíam. Nada me convencia do contrário: a dor triunfara sobre mim.

Choroso, ajoelhei-me no chão de cimento do quintal. Queria o tempo. Falar diretamente com Deus. A fé, apesar do sofrimento, resistia como chama exposta ao vento. Em mãos, trazia vela e caixa de fósforo. O pavio brilhou, mas num estalar de dedos, o fogo se extinguiu. Não ventava. Insisti. Novamente, apagou-se. Outras três tentativas..., e o mesmo fim - sem luz. Como se não conseguisse rezar sem o ritual, lágrimas, ainda mais tristes, brotaram dando o tom do momento.

Um velhinho, mestiço e formoso, surgiu e ergueu-me a fronte. Presenteei-o com um olhar de esperança, devido à vibração que se espalhara pelo ar. – Filho, disse ele. – Fui eu quem assoprou esse fogo. Você já sofre há muito tempo. Se dependesse da vela que acendi, já estaria curado.

Sem compreendê-lo, fixei-me em sua imagem.

– A ponte que liga os homens aos mensageiros de Deus é o amor, a língua que os anjos mais entendem. Tenho visto muita vela sendo acesa com a chama do coração apagada. Não adianta, ele ensinou

– Como assim?,perguntei, complementando: – Me disseram que isso é uma firmeza, um ponto de luz.

– Secundário, meu filho amado, a vitrine que exibe o supérfluo e esconde o principal. A maior firmeza do mundo está no coração e na força positiva dos pensamentos. Alimente essa verdade dentro de você e jamais lhe faltará luz.

 O senhor, por acaso, quer mudar o que a prática consagrou?,indaguei-lhe.

– Não. De maneira alguma. Apenas, quero lhe ensinar a leitura da vida. As letras guardadas, misteriosas. O caminho do real aprendizado é longo. E todo seu, filosofou o velho sábio.

– Por que usa metáforas?,contestei a transmissão das idéias. – Fale-me às claras.
Ele me atendeu.

– Não compre cartilhas prontas, se você é capaz de escrever a sua. Use-as, na verdade, para questioná-las, estendendo sobre as mesmas a lupa da razão. Os homens apreciam as palavras ensaiadas, os gestos repetidos e acham que sabem muito. Olham para vela e não vêem o irmão que sofre ao lado. Lembram-se das oferendas, e dão de ombros às privações alheias. Tentam comprar os santos com agrados, no toma lá da cá, como se as relações espirituais tivessem o mesmo contexto vil das terrenas.

A lâmpada se acendeu e a cada frase o linguajar da doce figura me espantava; confesso, jamais imaginei ser aluno de tão bela oratória.

– A beleza dos rituais é fantástica. Contagia aqueles que participam, mas tem faltado a caridade - essência que atrai os benfeitores espirituais. A religião sem caridade é como a terra arada para o plantio que não recebe a semente. Há tudo para dar certo, todavia, sem a magia da vida, não frutifica. Pois a caridade é a magia da vida. Por ela, Jesus viveu, reviveu e vive.

Ao ouvi-lo falar do Cristo, emocionei-me. Agora, sem lágrimas. Emoção interna que aquece o coração. O velho percebeu e continuou...

– Uso a vela como referência, porque exemplifica, claramente, o que acontece. O homem mal-intencionado reveste as ocasiões religiosas com rituais que enganam os olhos. Quando ele ajoelha e acende a vela, todos pensam que pedem o bem, nem sempre é assim. Diz rezar aos Céus; quando, na realidade, vibra e pede à energia terra a terra.

– Isso é hipócrita demais, exaltei-me.

– Não julgue, filho. Concentre-se em orar e vigiar. Peça a Deus misericórdia e não compartilhe ações que a sua consciência condena, aconselhou.

Assaltou-me a mente uma pergunta: – Há nesses atos alguma relação com o dinheiro?

– Toda!,asseverou sem titubear. – A cada dia, os rituais ficam mais caros e luxuosos, tiram das pessoas aquilo que elas não têm, frustram os que pouco podem contribuir e exaltam aqueles que pagam por tudo. A espiritualidade tem um propósito fundamentalmente humanista, de união fraternal, sem interesses materiais. O dinheiro, a seu turno, cria segregações, pois, em regra, atende interesses pessoais, e não, coletivos.

– Com o senhor falando desta maneira, vejo uma corrida pela posse do ouro, constatei.

– Exatamente. Os rituais desprovidos de amor e caridade são elementos burocráticos com a função de preencherem o tempo, de justificarem uma reunião.

 – Se os rituais forem retirados da Umbanda, haverá uma equiparação com o Espiritismo?

 O que distingue a identidade de ambas não é a presença de rituais em uma e a ausência em outra. A diferença está na personalidade dos espíritos que se manifestam e nos trabalhos que eles cumprem de acordo com suas missões. Nas bandas, os guias estarão presentes enquanto o objetivo da incorporação for o socorro a quem sofre, mas irão se afastar caso o objetivo das sessões escape à caridade e atenda ao ego. Com isso, eu afirmo que um terreiro pode ser considerado verdadeiramente de Umbanda, quando em suas giras, Ogum, Xangô, Iemanjá, Oxum, Iansã, Nanã, pretos-velhos, caboclos e crianças forem trabalhar. No dia em que tiverem, apenas, os rituais e faltar o santo, pode-se dizer que a Umbanda o acontece. E o mesmo vale para Quimbanda, com seus Exus e Pombagiras.

Percebi que o velho não pedia o fim dos rituais; pelo contrário, desejava a volta do axé, da energia positiva, da influência salutar, que vêm de Aruanda. Quando o som dos tambores, a luz das velas, o cheiro do defumador e as saudações se encontram, no terreiro, com a vibração dos Orixás, dentro da Umbanda, nasce uma corrente poderosa. É o despertar da magia que cura, corta demandas e ensina; em resumo, o que nos move.

Entendida essa parte, busquei novos esclarecimentos.

 O que o senhor acha que deveria mudar nos terreiros?

 O importante é trabalhar comportamento e atitude. O primeiro compreende a postura moral, o segunda, a ação - as virtudes colocadas em prática. As pessoas precisam se reformar. Não adianta passar horas em dado local e de lá sair com os mesmos vícios; às vezes, até corrompidos por outros. O Orixá é a sua cabeça, a procura da sua verdade, a descoberta da sua missão, o autoconhecimento; e isso é intransferível. Se você acha que cumpre bem as chamadas “obrigações espirituais" só porque segue a risca os rituais, afasta-se da sua inteligência, aprisiona a luz dos seus mentores e não consegue canalizá-la. Quando, meu filho, alguém lhe perguntou sobre a sua missão?,quando procuraram saber o seu nível de autoconhecimento?

– Nunca!,disse.

– Muitos líderes espirituais (pais e mães de santo) tratam a mediunidade como se fosse algo padronizado, sem levar em conta a individualidade. Identificar um médium, como muitas casas fazem, não é tarefa das mais difíceis; todos detêm o dom espiritual em graus diferentes; o x da questão está no trabalho a ser desenvolvido; cada pessoa reage aos fluídos e a atividade mental externa dos espíritos à sua maneira, e esses fatores necessitam de estudos com vista no equilíbrio das forças médium/espírito. Levando-se em conta o estado de consciência do sujeito, a terapia que lhe serve pode não resolver o problema alheio. Existem pessoas que encaram o fenômeno mediúnico com naturalidade, outros sofrem, por exemplo, por serem demasiadamente impressionáveis, agitam-se, passam mal por períodos longos. Faz-se mister o autoconhecimento e a busca da missão designada e aceita. Nem todos darão consultas e fao transportes (puxadas), porque, talvez, o tenham essa missão e nem sejam assistidos pelos bons espíritos com essa finalidade. A caridade é um objetivo, que se desdobra em possibilidades múltiplas, e o médium precisa se conhecer para seguir um caminho particular. Alegar que as "entidades querem trabalhar" é vazio demais; a incorporação o se justifica a qualquer custo, pois mal direcionada causa frustrações, descrença e graves doenças.

Após uma breve pausa, voltou a falar...

 O mais importante deixam passar, jogam para último plano; por isso, há tanta gente perdida, que não se auto-reconhece. Consideram-se espiritualizadas ao decorarem o manual dos rituais; porém, eu lhe digo: o ritual exagerado serve para convencer os incrédulos, os que precisam "ver para crer", a exemplo de Tomé. Além dessa categoria de homens de pouca fé, existem os leigos, cujo conhecimento espiritual não passa do be-a-bá; logo, as encenações ritualísticas tornam-se um ponto de apoio, onde os olhos vêem cegamente... Se é que você me entende...

– Mais ou menos...

Atenção, filho. O primordial é a comunicação mediúnica, que diferencia a formação do médium da psicologia elevada do espírito; quando o consulente ouve particularidades de sua vida, cujo médium seria incapaz de saber, conclui-se a fidelidade da incorporação. Através do diálogo, os espíritos trazem a palavra consoladora e fincam sobre rocha firme a bandeira divina da Umbanda. Infelizmente, o nível dessas consultas tem murchado feito flor - que gosta de luz - exposta à escuridão. Aliás, creio ser esta figura perfeita para o entendimento: a luz incomoda quem se acostumou às sombras; sem iluminação, o médium decai, perde as faculdades, por mal usá-las. Se a moral praticada no terreiro é estranha, os guias se afastam; a missão deles está em outro patamar. Então, restam as exibições mediúnicas e o excesso de trabalhos aos quais me referi.

Vasculhando a memória, comentei: – Queremos saber das cores, das saudações, dos gestos, dos nomes, das guias e nos contentamos, crendo ser um grande aprendizado.
O velho, feliz pela minha descoberta, mergulhou na questão: – Falo de comportamento, porque se não o avaliamos nos mantemos estáticos; aceitamos o erro como algo definitivamente nosso, impassível de mudança. Logo, as atitudes serão contaminadas; quem se comporta mal tem grandes chances de agir da mesma forma. Na Umbanda, o problema aumenta: o médium, em exercício, é um canal aberto. Se o campo psíquico estiver voltado para comportamentos, como medo, culpa e não for trabalhado para criar autodefesas, as energias mais densas serão atraídas. Então, eu lhe pergunto: como vencer os problemas decorrentes - depressão, pânico, auto-estima baixa-, se o conhecimento está fechado em rituais? Por isso, apaguei a sua vela.

– Complexo!,interpretei.

Nem tanto. O corpo precisa se exercitar para viver saudavelmente, caso contrário, adoece. O mesmo se dá com o espírito, dono do caráter, dos valores, da moral. Ninguém nasce perfeito na caridade e no amor, os maiores legados do Cristo; de tal maneira, devemos praticá-los; somente a experiência dá a dimensão do quanto é importante fazer o bem e fortalece a nossa fé.

– Onde devo procurar os exemplos que o senhor tanto fala?

– Vá aos Evangelhos escritos pelos apóstolos de Jesus. Leia os ensinamentos codificados por Mateus, Marcus, Lucas e João... Encontrará maravilhas, que pertencem a toda humanidade.

Fechei os olhos, refleti em segundos e, como num flash, fez-se um grande ponto de interrogação na minha cabeça. Não resisti e externei a dúvida.

– Da forma que o senhor fala, parece que dentro da Umbanda o há caminhos. Consultar os Evangelhos significa ir à Bíblia que sustenta os dogmas católicos e protestantes.  

 O velho sorriu, e aquela voz doce ecoou novamente.

– Meu filho!,enfatizou a expressão que nos aproximava. – Jesus pediu que os seus discípulos fossem aos continentes para instruir os filhos de Deus; pois sob essa constatação, não há dúvidas, os evangelhos são universais em qualquer época. No mais, você tem ciência da reencarnação, da eternidade do espírito, da Lei do Retorno, da pluralidade dos mundos e não acredita no Diabo, certo?

– Sim, afirmei sem saber onde ele queria chegar.

– Veja e analise: as convicções que lhe animam são outras, diferentes das que fazem parte da vida dos irmãos católicos e protestantes. O Evangelho terá outro significado quando entrar em contato com a sua condição espiritual. O ser consciente não absorve idéias, conforme a letra fria, porque adquire a capacidade de interpretá-las. Uma vez feito isso, terá sob a guarda da razão novos padrões de justiça, amor e caridade. Perceba que não lhe peço utopias e nem o cumprimento de tarefas heróicas. Intimamente, desejo a maturidade psicológica do médium – algo que deveria ser o grande objetivo dos terreiros de Umbanda.

Respirei profundamente e percebi que as minhas mãos não estavam geladas e o meu coração batia em paz, estado emocional, impensado há algum tempo. Antes dessa conversa, o assunto me agoniava. Aproveitei a calmaria para uma nova observação, sempre questionadora.

– Mas a Bíblia o trata, ao menos explicitamente, da reencarnação; tanto é que os seus maiores adeptos desacreditam o fenômeno, comentei para entender melhor.

– Se todas as leis fossem reveladas há milênios em um único livro, nada mais haveria de ser descoberto, e a caminhada humana estaria concluída, o que definitivamente não se confirma: o progresso é notável. Deus nos deu o livre-arbítrio para construirmos. Peço que leia os Evangelhos, e não, a Bíblia inteira; justamente, porque nos textos dos apóstolos se refletem os trabalhos de comportamento e atitude que lhe falei.

– E como isso se realizaria na Umbanda?

 Um terreiro pode ser o grande palco de realizações dessas tarefas humanistas. Os espíritos que se manifestam na religião trazem uma linguagem simples para serem compreendidos por todos. Imagine o perfeito entendimento dos Evangelhos chegando aos obsediados e doentes de toda ordem..., entusiasmou-se o velho. – A Umbanda é capaz de fazer isso pelas famílias que sofrem e lhes devolver o lar. Será o tempo em que as velas, o cenário das cores, as belas imagens e certos adornos serão preparados por médiuns íntegros, equilibrados e com a famosa “cabeça firme” para ouvirem novas revelações que, certamente, hão de vir.  

 De repente, ouvi um barulho dentro de casa, e o velho pediu que eu fosse ver o que era. Nada demais, o vento havia batido a porta. Quando voltei ao quintal, estava escrito no chão - "Você ainda vai me ouvir muitas vezes".