O
homem comete muitos erros por julgar temas amplos, valendo-se, tão-somente, do
superficial. O adepto, verdadeiramente, convertido ao Cristianismo, não pode
ignorar o trabalho hercúleo de Moisés no seio do judaísmo. Citar a Lei de
Talião[1],
como se ela resumisse o espírito do trabalho mosaico, é um grande equívoco
histórico e, sobretudo, espiritual. A revelação, obtida nas rochas do Sinai,
foi inaugurada pelos artigos pétreos do amor. Se a população hebraica ignorou o
chamado divino e preferiu se vestir de parafernálias teológicas, o enviado de
Capela[2]
não deve ser responsabilizado, porque os dois primeiros mandamentos celestes já
estavam à disposição dos corações humanos. Prova marcante dessa essência
encontrasse, até hoje, nas odes inspiradas dos profetas do Velho Testamento. "Um pequenino se acha nascido para nós,
e um filho foi dado a nós, e o nome que se apelidará será Deus Forte, Pai do
futuro século, Príncipe da Paz. O seu império se estenderá cada vez mais e não
terá fim" (Isaías, 9:5,6). Apesar da resistência tribal e guerrilheira
que mantinha a idéia insana de um Deus vingativo e exclusivista, o esforço das
hostes sublimares foi recompensado; uma vez que nascia na paisagem, deste orbe,
o sentimento monoteísta.
A
base da religião estava sedimentada no decálogo[3].
Faltava, pois, um Farol Singular, que pudesse iluminar a antiga tábua da lei e
exortar o povo a compreensão dos escritos em sua pureza genuína. Séculos depois
de Moisés, a chegada de um Rei (jamais visto) modificava a atmosfera da Terra.
No livro Boa-Nova, o amigo espiritual, Humberto de Campos, conta-nos que, à
época, “o grande império do mundo, como
que influenciado por um conjunto de forças estranhas, descansava numa onda de
harmonias e júbilos, depois de guerras seculares”. Antes mesmo de nascer, o
Menino-Luz, anunciado nas profecias, higienizava a aura do planeta com a Sua
notável aproximação.
Trinta
anos se passaram desde que o brilho da estrela-guia norteou a caminhada dos
Reis Magos ao encontro do Messias, segundo a tradição bíblica. Era chegado o
momento. Jesus começava a divulgação da mensagem eivada de beleza
espiritual. Antes daquela hora suprema
para o futuro da Humanidade, muitos filósofos, em civilizações milenares,
escreveram, falaram e praticaram o amor, mas somente o Doce Rabi da Galileia viveu
tudo o que diz respeito a essa emoção divinal. Através dEle, os aflitos ouviram
o Sermão da Montanha, viram gestos de profunda compaixão e presenciaram a prova
da renúncia máxima no holocausto da cruz. Quem fizera tanto por uma gente pobre
e simples em tão pouco tempo? Absolutamente ninguém. O Evangelho[4]
já estava entre nós...
[5]O
Cristo ensinou a todos nós o valor de se combater o pecado, mas amar, sem
limites, o pecador; deixou claro que não há sentido em mergulhar no amor de
Deus, se as criaturas não canalizá-lo para o seu semelhante; retirou das mãos
homicidas a faca dos sacrifícios, pois a partir do instante em que o sangue do
Cordeiro Divino foi espargido no calvário, não eram mais precisos os rituais
bárbaros para se chegar ao Sagrado; provou que o verdadeiro pastor tem cheiro
de ovelha e recusa-se a ficar, isolado, em cima de um púlpito, assoviando
lições não vividas e mostrou que quem não ama só enxerga defeitos, porque se
limita ao presente; enquanto, a alma que ama vê qualidades e enxerga
potenciais, haja vista que acredita na capacidade imanente do ser humano de
evoluir. Dentre infindáveis lições, o Mestre também mudou a relação do religioso
com as liturgias templárias, ao dizer: “entra
no teu aposento e, fechada a porta, orarás a teu Pai que está em secreto” (Mateus, 6:6).
Jesus deu prova viva do não-fundamentalismo. Embora, enorme
conhecedor das leis judaicas, Ele não aceitou o argumento dos sacerdotes.
Utilizou-se, no fundo, das codificações clericais para escapar das perguntas
capciosas que almejavam derrubá-Lo. Ao passo que o totalitarismo tentava
abraçar, como se fosse possível, as coisas de Deus, o Cristo visitava lugares,
onde o poder instituído não queria estar: ao lado de paralíticos, cegos, surdos,
mendigos, prostitutas, adúlteras... O que Lhe motivou a consolar os supostos
amaldiçoados, segundo o olhar daqueles que amam o privilégio? Narcisismo, ego, aplausos.
Não, nada disso. Numa síntese: caridade, o amor em ação.
O
Mestre, que conhecia a intimidade do plasma das estrelas, comprimiu – em gesto
humilde – a Sua Luz esplendorosa a fim de não nos ofuscar e se utilizou dos
recursos possíveis da cultura e da natureza, ambas peculiares a Galiléia, para
se fazer entender naquelas simples parábolas. Mas, não nos enganemos: “as palavras dEle eram sopro espiritual ao
encontro de narinas de barro”(Haroldo
Dutra Dias). Por isso, muitos ainda não o compreendem, e a Besta do
apocalipse retarda a aurora de um novo domingo pascal no cenário do Terceiro
Milênio.
Sob a anuência imperialista de Roma, a Igreja
Católica se intitulou como interprete única dos textos bíblicos ao se valer da
Segunda epístola de Simão Pedro. O pescador de Cafarnaum anotou “que nenhuma profecia da Escritura provém de
particular elucidação, porque nunca, jamais qualquer profecia foi dada por
vontade humana, entretanto homens falaram da parte de Deus movidos pelo
Espírito Santo” (Pedro, 1:20,21).
À luz da fé raciocinada, essa imposição autoritarista se desconstrói. O grande
mártir do Cristianismo convocou o trabalho coletivo quando escreveu “que nenhuma profecia da Escritura provém
de particular elucidação”.
Em 1870, o Concílio Vaticano 1º decretou a infalibilidade do Papa.
Reza a carta dogmática que o líder do Clero não erra em “decisões definitivas no campo
da fé e da ética”, além de ser o sucessor de Pedro e o líder entre todos os
apóstolos de Jesus. Os homens que se opusessem a determinação, dentro da
igreja, seriam excomungados. Se lesse, mais atentamente, a primeira epístola de
João, talvez, o Sumo Pontífice recuasse em sua intenção, tal a clareza do
argumento: “Se dissermos que não temos
pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós” (João, 1:8); mais à frente, o
discípulo, bem-amado, dá outra lição exemplar: “Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece
em nós, e o seu amor é, em nós, aperfeiçoado” (João, 4:12). Por que, pois, tanta encenação cerimonial e luxo
se o convite à participação, no concerto
divino, está condicionado ao amor?
A respeito da miopia que, apenas, enxerga os
tesouros de César, o apóstolo Tiago comenta: “porque o sol se levanta com seu ardente calor, e a erva seca e a sua
flor caem e desaparece a formosura do seu aspecto; assim também se murchará o
rico em seus caminhos”[6] (Tiago, 1:11). Na mesma carta,
ainda pode-se ler: “A religião pura e sem
mácula, para com Deus e Pai, é esta – visitar os órfãos e as viúvas nas suas
tribulações, e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo” (Tiago, 1:27). Nessas expressões de
elevado cunho moral, os cristãos ouvem um apelo em direção à caridade, à vida
simples e à reforma íntima, como práticas superiores aos atos externos.
Os catedráticos rechaçaram uma experiência
puramente espiritual. Amantes das insígnias sacerdotais, eles arrumaram formas
de conciliar a água santa do Evangelho com as impurezas do mundo, cujo Mestre
afirmou ter vencido. No entanto, o
regato cristalino, se colocado em contato com o lodo, irá ser contaminado; e ao
observar as correntezas, ninguém se lembrará de que a sua nascente é pura. Transcorridos
2015 anos, ainda permanecemos presos aos grilhões teológicos com a mesma dúvida
da mulher samaritana – Onde adorar a Deus? E com a maior boa vontade, Jesus
permanece repetindo: “Deus é espírito; e
importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (João, 4:24).
Foram
longos os períodos em que o artificial triunfou sobre a essência, contudo os
desígnios do Criador não podem ser encastelados em calabouços monásticos.
Graças a Providência, o Consolador Prometido veio a estas plagas terrenas para pedir:
“escutai-me. O Espiritismo, como
antigamente minha palavra, deve lembrar aos incrédulos que acima deles reina a
verdade imutável: o Deus bom, o Deus grande que faz germinar a planta e elevar
as ondas. Revelei a Doutrina divina e, como um ceifeiro, reuni em feixes o bem
esparso na Humanidade e disse: Vinde a mim, todos vós que sofreis!”(O Evangelho Segundo o Espiritismo)
Enfim, o Espírito
de Verdade que o mundo não podia receber estava entre nós. Em 1857, Allan
Kardec divulga a primeira edição de O
Livro dos Espíritos e submete ao crivo inteligente das massas à mensagem
dos Imortais. Nesse período, o genial codificador orientava-se pela voz do
espírito São Luiz, que o acompanhou, de perto, na jornada de elaboração do pentateuco
espírita. O nobre mentor confirmou “que
os espíritos não vinham, pois destruir a religião, como alguns a pretendem,
mas, ao contrário, (...) vieram sancioná-la por provas irrecusáveis”, através
de expressões “sem alegoria para dar às
coisas um sentido claro e preciso, que não possa estar sujeito a nenhuma
interpretação falsa”. (Questão 1010 de O
Livro dos Espíritos)
O
Espiritismo transformou o paradigma de religião. Muitos cientistas e
intelectuais têm urticária quando ouvem falar sobre esse termo. O atavismo
histórico do espírito reencarnante o remete a eras medievais; e, num século
como o atual, de conhecimentos atômicos e cosmonáuticos, as idéias arcaicas
causam enorme repulsa. O ser pensante vê, nelas, uma ameaça a sua sabedoria tão
arduamente conquistada. Com a Doutrina dos Espíritos, tudo muda. A visão se
expande, rompe as fronteiras obscurantistas do dogmatismo e percebe,
maravilhada, um Deus das galáxias.
A
iluminada doutrina esclarece ainda o fenômeno das vidas sucessivas. No livro A Gênese, Kardec afirma que “com a reencarnação, desaparecem os
preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo espírito pode tornar a nascer
rico ou pobre, capitalista ou proletariado, chefe ou subordinado, livre ou
escravo, homem ou mulher”. Posta a candeia sobre o velador, a idéia de
superioridade de povos e raças desaba perante a Justiça Soberana.
Obviamente, a Terceira Revelação torna o
caminho dos homens mais difícil ao classificar o bem como uma prática diária e
de difícil execução, conforme já nos alertara Jesus ao falar que “estreita é a porta e apertado o caminho que
conduz para vida, e são poucos os que acertam com ela”. Daí, não causa
espanto que a França, o berço de Kardec, e o restante da Europa, o velho
continente, tenham ignorado o som da trombeta
e o coro dos anjos. Crêem eles, até hoje, que Jesus veio curar os males do
corpo, e não, os paralíticos da alma, que desembarcam no plano espiritual inertes
devido à densidade de seus perispíritos
(Nosso
Lar, André Luiz). Mas, a vaidade humana não é capaz de abafar os
Espíritos do Senhor. João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, Sócrates,
Platão, Fénelon, Paulo de Tarso e inúmeros outros não vieram, de tão longe, à
toa. Se os europeus dormem, a exemplo dos apóstolos no Jardim das Oliveiras, o
Espiritismo deveria migrar para o solo em que encontraria condições de
proliferação. Impossível, aqui, ignorar o médium Francisco Cândido Xavier e os
benfeitores que o auxiliaram. As obras básicas deram corpo espiritual à
doutrina e os mais de 400 livros psicografados, por Chico, ampliaram a aura dos
ensinamentos, tornando maior o seu alcance.
Através
do médium, o espírito Emmanuel convocou os corações, atentos, ao pacto de amor
do Evangelho primevo e costurou, em inspirada literatura, as diferenças entre “atividade religiosa” e “serviço divino”. Na
obra, Agenda Cristã, outro
benfeitor, André Luiz, alertou as mãos, ávidas por benesses, sobre a necessidade de se afastarem dos
holofotes da fé publicitária e vazia, ao dizer que “perdendo venceremos a batalha humana, cedendo obteremos os recursos de
que precisamos, libertando conquistaremos os outros, suportando resistiremos na
tempestade, sofrendo teremos mais luz (...)”.
Uma conquista formidável, que
merece destaque:
O Jesus que a Doutrina Espírita nos apresenta
é um Jesus que está, a anos-luz de distância, do Jesus que a Humanidade
conhece. (Haroldo Dutra Dias).
O
mundo lê os evangelhos, e o que vê? Um galileu, vestido em túnica branca, filho
de um carpinteiro com uma dona de casa. Então, vem o Espiritismo e repete a
pergunta: “O que você vê?”. E o adepto estudioso responde: “vejo, simultaneamente, o Artesão Divino, o Artista
Sideral, o Sublime Peregrino, o Psicoterapeuta de Todos os Tempos, em resumo, o
Governador Espiritual do Planeta Terra”.
[1]
“Olho por olho; dente por dente”.
[2] Constelação de onde vieram diversos
espíritos, que reencarnaram na Terra primitiva a convite de Jesus. Naquele
período, a maioria dos habitantes de Capela já vivia em clima de profunda
fraternidade. As almas que vieram para o orbe terrestre perturbavam a harmonia
do ambiente. Mesmo intelectualmente avançadas, elas apresentavam considerável
retardo moral. Desse fato, resulta a Teoria dos Anjos Decaídos presente na Bíblia. Porém, graças a Misericórdia do Pai, muitos daqueles irmãos cumpriram a tarefa
de auxiliar o progresso da Terra e, quites com a Lei de Causa e Efeito,
ganharam a permissão de voltar para um mundo mais feliz.
[3] A Primeira Revelação
[5]
As idéias do parágrafo foram organizadas a partir de uma palestra de Haroldo
Dutra Dias – expositor espírita, que, em recente trabalho, traduziu os
Evangelhos do grego para a Língua Portuguesa.
[6] Não há problema algum com a riqueza material,
desde que ela tenha origem honesta e seja empregada como recurso divino.
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