sexta-feira, 28 de março de 2014

O depoimento de um espírito

Ao ver a mulher - que eu conheci sadia, visivelmente, magra e enferma, refletiu-se em minha mente o retrato da dor que carrego. Há tempos, a dúvida me fazia perguntar: por que tamanho sofrimento? Nenhuma resposta satisfatória surgia, e as questões fervilhavam como as larvas de um vulcão incontrolável. Conheci, de perto, a tristeza, visitei os infernos e de lá voltei. Graças aos céus, sem amargura. Reconheço o que vi e, hoje, aceito as provas experimentadas.


Os compromissos assumidos, na pátria espiritual, são sagrados. Ainda sou um aluno primário, aliás, quase infantil, da minha realidade. Somente agora, despertei para necessidade de me conhecer melhor. Desde a infância, sempre, procurei caminhos no mundo exterior, e não os encontrei. Em virtude do fracasso, desiludia-me feito um pássaro, que sabe o poderio do seu canto, todavia não consegue entoá-lo. A felicidade, então, desenhava-se no subconsciente sem nenhum traço de verdade; mera utopia dos esotéricos, místicos e filósofos.

Antes da grande expiação, tive a passagem mais inesquecível da atual vida terrena. Conheci, de perto, o Evangelho do Cristo. Amei Jesus como nunca pude amar alguém. Durante esse reencontro admirável, entrei em estado de êxtase, senti-me arrebatado pela claridade divina, que, cuidadosamente, lançava suas luzes sobre mim, insuflando o meu espírito a zelar pelas frágeis plantinhas, nascidas na soleira do quintal, à mercê dos pés ligeiros.

Recordei-me, numa viagem impressionante, de sentimentos nobres. Parecia, naquele instante, que eu havia mergulhado por 20 anos num sono, até então, irremediável. Somente em relances de inspiração, fui capaz de me encontrar. Momentos raros e passageiros, que - tão logo - faziam emergir o imenso abismo da minha ignorância. Acompanhado pelo Amoroso Rabi, as paisagens ganharam formas espetaculares; os frutos tornaram-se doces; as plantas, antes desbotadas, reacenderam, no meu íntimo, a capacidade de enxergá-las como realmente são: poli-cromáticas, cada qual mais bela que a outra. As orquídeas sorriram, as azaléias também, e as rosas brancas choraram após o banho no fim da tarde. Passei a dar importância aos detalhes; assumi, corajoso, o meu psiquismo contemplativo, louvei a Deus no trautear dos canários e reverenciei o trabalho das abelhas em suas colméias.

Lembro-me, com saudades, daqueles dias, sem lágrimas de tristeza. Agora, choro de alegria! Trago na alma cicatrizes que me socorreram nas temíveis atribulações. Ai de mim, se não as tivesse colhido na lida espiritual. Cairia eu no primeiro degrau, exausto buscaria forças, mas não teria de onde hauri-las. Nem de longe, sou um grande médium. Tenho pouquíssima bagagem, não freqüentei confrarias espiritualistas e também não lidei, pessoalmente, com grandes mestres. No entanto, fui tocado pelas mensagens de Jesus de Nazaré. Uma simples faísca do Seu amor, dividida em bilhões de átomos, foi suficiente para me abrir os olhos. Enxerguei-o na cruz. Agradeci pela inolvidável Paixão, declamada nos versos, mais lindos do Cosmo. Misericórdia em forma de parábolas. O júbilo escorria pelas paredes do coração, elevando com a linfa preciosa do amor, a percepção espiritual e, como quem anda por terras aprazíveis, tentei imaginar o que teria visto Paulo de Tarso nas estradas rumo a Damasco.

Quando chegou a hora das águas se agitarem, tive pouca fé. Agarrei-me ao manto que reluziu no monte Tabor, para suportar as chicotadas das ondas. Quanta luta! Duelei na escuridão. Esqueci, por desespero, os encantos de antanho. Graças a Deus, balancei, e não cai. Aprendi que as angustias fazem parte da caminhada. A esperança nasce nas trincheiras. Nos jardins, só colhemos flores, e a vida não se resume a elas. 

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